quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Haiti: entre as vítimas do terremoto, Zilda Arns

A doutora Zilda Arns Neumann, 75 anos, médica sanitarista, pediatra e fundadora das pastorais da Criança e da Pessoa Idosa da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, não cuidou apenas de seus cinco filhos, que lhe deram quatro netos. A Pastoral da Criança, criada em 1983, numa pequena paróquia de Florestópolis, na arquidiocese de Londrina, no Paraná, acompanha, quinta-feira, o desenvolvimento de quase dois milhões de meninos e meninas na faixa etária de 0 a seis anos, além de atender cerca de 95 mil gestantes em 42 mil comunidades pobres, em 4.066 municípios, em todos os estados.

A irmã do arcebispo emérito de São Paulo, cardeal Paulo Evaristo Arns, costumava dizer que “nunca se deve complicar o que pode ser feito de maneira simples”. Na sua simplicidade, comentou uma vez, numa audiência pública no Congresso, referindo-se à passagem do Evangelho de São João: “Nós, em vez de multiplicarmos peixes e pães, multiplicamos solidariedade”.

Em 2006, chegou a ser indicada para o Prêmio Nobel da Paz, pelo Projeto 1.000 Mulheres, da associação suíça do mesmo nome. Dedicava-se, nos últimos dois anos, à Pastoral do Idoso e à Pastoral Internacional da Criança, também por ela criada. Morreu a serviço de Deus e dos homens, numa rua de Porto Príncipe, por onde caminhava ao lado de um sargento do Exército brasileiro. Ambos foram atingidos por destroços de um prédio, assim que começou o terremoto de terça-feira. Qarta-feira, ela faria, pela manhã, uma palestra sobre a Pastoral Internacional da Criança na Conferência dos Religiosos do Caribe, da qual era convidada especial.

Zilda Arns nasceu em 25 de agosto do 1934, em Forquilinha, Santa Catarina, mas residia em Curitiba, de onde monitorava suas atividades pastorais. Ficou viúva em 1978. Teve cinco filhos, um dos quais já falecido. O seu corpo foi encontrado, na manhã de quarta-feira, pela embaixatriz do Brasil em Porto Príncipe, Roseana Teresa Aben-Athar Kipman. Segundo relato de diplomatas brasileiros na capital do Haiti, o corpo estava sob os escombros de um projeto humanitário, cuja laje desabou. Até a tarde de quarta-feira, continuava desaparecida a assessora da médica da Dra. Zilda, irmã Rosângela Altoé.

Na discurso que proferiu terça-feira pela manhã, horas antes de ser vitimada pelo terremoto, ela mesmo contou um pouco de sua vida e de sua missão, em espanhol, com as seguintes palavras:

“Sou a 12ª de 13 irmãos, cinco deles religiosos. Três irmãs religiosas e dois sacerdotes franciscanos. Um deles é D. Paulo Evaristo, o cardeal Arns, conhecido por sua luta em favor dos direitos humanos, principalmente durante os 20 anos da ditadura militar do Brasil. Em maio de 1982, ao voltar de uma reunião da ONU, em Genebra, D. Paulo me chamou por telefone, à noite. Naquela reunião, James Grant, então diretor executivo da Unicef, falou-lhe com insistência sobre o soro oral. Considerado como uma conquista maior da medicina do século passado, esse soro era capaz de salvar da morte milhões de crianças que poderiam morrer por desidratação, em consequência da diarreia, uma das principais causas de mortalidade infantil no Brasil e no mundo. James Grant conseguiu convencer D. Paulo para que motivasse a Igreja Católica a ensinar as mães a preparar e administrar o soro oral, o que poderia salvar milhares de vidas. Viúva há cinco anos, eu estava, naquela noite histórica, reunida com os cinco filhos, de cinco a 19 anos, quando recebi a chamada telefônica de meu irmão. Contou-me o que se passara e pediu-me que refletisse sobre aquilo. Como tornar realidade a proposta de a Igreja ajudar a reduzir a morte das crianças? Eu me sentia feliz ante esse novo desafio. Era o que mais desejava: educar as mães e famílias para que soubessem cuidar melhor dos seus filhos!”.

O corpo de Zilda Arns será enterrado no Cemitério Água Verde, após vigília na sede da Pastoral da Criança na capital paranaense. Quarta-feira à noite o corpo já estava em poder do Exército brasileiro em Porto Príncipe, no Haiti, e a previsão era de que fosse transladado para o Brasil ainda hoje.

2 comentários:

  1. Se em cada recanto deste país houvesse uma Zilda Arns o Brasil não seria o mesmo...

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  2. Digo mais ainda, meu irmão, o Brasil tinha jeito!

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